quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

ENTREVISTA - REGINA MIKI. "O MUNICÍPIO É ONDE AS COISAS ACONTECEM"

ENTREVISTA - REGINA MIKI
"O MUNICÍPIO É ONDE AS COISAS ACONTECEM"

Alçada da Secretaria de Defesa Social de Diadema, em São Paulo, à coordenação executiva da Conferência Nacional de Segurança Pública, Regina Miki comemora a adesão da população ao processo que vai definir uma política de Estado para a segurança pública. “A participação democrática na segurança pública até hoje não foi posta em prática e estamos buscando nesta participação democrática a elaboração de uma política de Estado para a segurança pública”, revela.

Durante sua administração, Diadema, que esteve entre os municípios mais violentos de São Paulo, conseguiu reduzir em 80% índice de homicídios com ações baseadas em pesquisas sobre as características da criminalidade local e que incluíram desde o fechamento de bares após as 23 horas, até a melhoria da iluminação urbana. Para Regina, as prefeituras têm que ser incluídas na elaboração e na implementação das políticas públicas de segurança.

“O município é onde as coisas acontecem. A política de segurança é pensada hoje na área do estado e é executada dentro do município. É fundamental que as ações de ordenamento de uso e ocupação do solo estejam feitas dentro de um mesmo plano que o direcionamento das polícias”, avalia.

Regina Miki conversou com o Comunidade Segura durante o seminário temático sobre controle de armas que aconteceu em Brasília nos dias 8 e 9 de junho. “Eu não sou contra a arma de fogo, eu sou a favor de um sistema de proteção do cidadão que englobe os freios às pessoas que portem uma arma de fogo”, conclui.

Qual é o significado da Conseg para a segurança no Brasil?

A participação democrática na segurança pública até hoje não foi posta em prática. Para nós, como coordenadores, a conferência significa buscar na participação democrática a elaboração de uma política de Estado para a segurança pública e fazer com que a população entenda que segurança é um direito fundamental atribuído pela Constituição federal, mas isso implica em alguns deveres e que estamos nos furtando em determinado momento.

E qual será o papel da sociedade civil nessa conferência?

O papel da sociedade civil é de buscar a idealização dessa política de Estado. Ou seja: o que queremos para fortalecer nossas polícias, o que queremos para nos fortalecer enquanto conselhos, uma participação mais ampla da sociedade garantida a partir de agora de uma forma definitiva e periódica através mesmo de outras conferências por consultas populares e que essa sociedade saia do direito de reclamar e passe a outro patamar, o de buscar melhorar as políticas através da participação democrática.

E a sociedade sabe o que ela quer em termos de segurança pública?

Sabe sim, mas confunde às vezes. Porque a mesma sociedade que diz que não quer uma polícia violenta, ela por vezes legitima essa ação quando a violência ocorre com ela ou um parente seu ou alguém próximo. Nesses casos, ela quer que bata, prenda, mate. Se fizermos uma consulta popular, às vezes temos a pena de morte como uma solução para a criminalidade.

Mas, se tivermos um diálogo franco e aberto e conseguirmos passar para essa sociedade os seus direitos, os dados reais da criminalidade, da violência, essa mesma sociedade tem condição de dizer o que ela quer da polícia, o que ela pensa como paz sem esquecer que a dignidade humana passa também por nós termos segurança de andar na rua, do direito de ir e vir que hoje está sendo tolhido pela criminalidade.

E como é possível chegar a uma proposta objetiva sobre segurança pública com essa diversidade que temos no país e que estará representada na Conseg?

Na realidade, o texto-base da conferência orienta para uma discussão maior do que as peculiaridades locais. É inevitável que uma pessoa num grupo de trabalho que esteja trabalhando qualquer eixo da conferência – que tem sete eixos - que ela não traga uma posição do seu local, só que nós estamos chamando a população para discutir a política maior.

Para construir uma espinha dorsal que servirá como política de Estado, para então, se desenvolver as políticas dos estados e dos municípios. E, partindo daí, planos de segurança e ações tendo sempre em mente aquela política maior traçada. Como é o SUS para as políticas de saúde, políticas de educação, de meio ambiente. Não que nós não venhamos a ter planos locais e políticas a serem seguidas nos locais, mas sempre tendo em mente uma política maior.

Mas para isso, os municípios e estados deverão ter autonomia e verba para implementar as suas políticas de segurança. Como isso será encaminhado?

Quando falamos em política de Estado, estamos falando na divisão dos três entes federativos com a sua competência e a sua participação e também falamos de um orçamento que ainda não sei se vai ser vinculado ou como transferência fundo-a-fundo.

Essa é uma das tarefas da sociedade, dos gestores e dos avaliadores durante a conferência, para que tenhamos o melhor modelo para ter esse orçamento reservado para a segurança e, com isso, a garantia da continuidade das políticas a serem desempenhadas.

Qual é o papel do município nesse novo modelo de segurança pública?

O município é onde as coisas acontecem. A política de segurança é pensada hoje na competência do estado e é executada dentro do município e, por vezes, as autoridades municipais não são nem chamadas a participar da elaboração e da implementação dessas políticas.

É fundamental que as ações de ordenamento de uso e ocupação do solo estejam feitas dentro de um mesmo plano que o direcionamento das polícias. É fundamental termos a iluminação, por exemplo, para que o trabalho da polícia seja facilitado, o asfalto nas ruas, a ocupação dos espaços públicos, tudo isso é segurança.

E o município hoje não é chamado a participar constitucionalmente dessa elaboração. Institucionalmente nós não temos ainda, para além dos gabinetes de gestão integrada que o Pronasci criou dentro dos municípios, outra ‘institucionalidade’ em que o município entre pela porta da frente na política de segurança pública. E a conferência busca isso.

Nesse caso, qual seria o papel das guardas municipais?

A Guarda Municipal é criada com base no parágrafo 8º do art. 144 da Constituição Federal que diz que os municípios poderiam criar guardas municipais para defesa de seu patrimônio e prestação de serviços à sua população. Só que não temos ainda uma lei federal que delimite esses serviços que a guarda poderia prestar.

Então nós temos guardas altamente militarizadas no Brasil, temos guardas que são subutilizadas, que não têm outra função senão estarem uniformizadas e isso prejudica um sistema de segurança pública, porque essa guarda poderia estar no bojo desse sistema com uma parcela de atuação muito importante que é na prevenção do crime, trabalhando nas incivilidades, nos pequenos delitos e deixando o policiamento para as polícias.

A Guarda Municipal não deve, então, ter poder de polícia?

Erronemanete se diz que as guardas não têm poder de polícia. A guarda tem o poder de polícia administrativa dentro do município. E que o que se busca na realidade é o poder de policiamento. Esse tem que ser amadurecido um pouco mais dentro de um sistema. O que fica para essa guarda? E essa guarda não pode ser criada por municípios que não tenham condição de capacitá-la e fazer a sua manutenção.

Como assim?

Nós temos municípios no Brasil que criaram guardas ainda sob a égide de um outro regimento do Fundo Nacional de Segurança Pública que previa o repasse de verba somente aos municípios que tinham Guarda Municipal. Assim, foram criadas guardas sem qualquer estrutura e é isso que não podemos mais conceber num sistema de segurança pública como o Susp que prevê que o município tem o seu papel. Tendo a guarda, ela tem o seu papel, mas ela tem que ser capacitada e ordenada.

A senhora é a favor das guardas municipais armadas?

Eu não sou a favor nem sou contra já que o próprio Estatuto do Desarmamento prevê uma guarda armada. Mas eu tenho receio do que possa advir disso se a guarda não tiver uma estrutura de freios compatível. Então, tem que haver capacitação para o guarda utilizar essa arma, tem que haver uma jornada de trabalho compatível com quem anda armado, tem que haver corregedorias e ouvidorias independentes, para que o mal policial ou mal guarda municipal sejam separados dos demais da corporação. Eu não sou contra a arma de fogo, eu sou a favor de um sistema de proteção do cidadão que englobe os freios a esta pessoa que porte uma arma de fogo.

Que mensagem a senhora daria para a sociedade civil e para os trabalhadores do sistema de segurança pública no âmbito da Conseg?

Eu gostaria de agradecer àqueles que já participaram de alguma forma e dizer que ainda temos tempo para aqueles que estão tendo notícia pela primeira vez da conferência que venham para o processo.

Até o dia 31 de julho estaremos com as etapas estaduais e também com a possibilidade de conferências livres para a elaboração de princípios e diretrizes que serão encaminhados diretamente para a etapa nacional. No site da conferência temos toda a explicação de como participar desse grande movimento que é a Conferência Nacional de Segurança Pública.

* Fonte da matéria: COMUNIDADE SEGURA

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