Dormindo com o Inimigo – ou a Aliança Inexplicável.
O mínimo que se espera do Governo é que, até que surjam as respostas, suspenda as parcerias com a ONG Viva Rio, o repasse de verbas públicas a ela e, principalmente, seu credenciamento para receber armas de fogo entregues na campanha de desarmamento.
Os últimos dias não têm sido fáceis para uma das mais festejadas Organizações Não Governamentais (ONG) brasileiras. Envolta em acusações de desvio de verbas públicas e flagrada em estreito envolvimento com um acusado de vender um fuzil para o traficante “Nem”, da Rocinha, a Viva Rio parece ter entrado em seu inferno astral. Contudo, espanta que, ainda assim, siga firme como grande – senão a principal – parceira ideológica do Ministério da Justiça, especialmente quando o assunto é o único que dele se ouve: desarmamento.
Só a questão do desarmamento, é verdade, já seria suficiente para tomar de estranheza todos aqueles que acompanham as políticas traçadas pelo Ministério da Justiça – ou a falta delas. Afinal, soa até mesmo surreal que uma entidade envolvida com um traficante de arma, mostrando-se sua maior defensora, habite um setor tão estratégico do Governo Federal, sob a irônica justificativa de buscar desarmar a população. Entretanto, a teia é mais complexa.
As acusações contra a Viva Rio, cujo maior mérito parece ter sido angariar para o seu conselho diretor o mandachuva global José Roberto Marinho(1), tiveram início em outubro, com a denúncia de que, através da subsidiária Viva Comunidade, teria desviado, para a reforma de sua sede, recursos destinados a investimentos na saúde pública. Segundo publicação do jornal O Dia, o Tribunal de Contas dos Municípios já teria comprovado o desvio de mais de R$140 mil para a reforma da sede da entidade, estimando que o montante total desviado supere os R$208 mil(2).
Ainda no mês de outubro, outra acusação. Em meio aos escândalos que levaram à saída do Ministro dos Esportes, Orlando Silva, a ONG viu-se sob a denúncia de também ter desviado recursos do programa Segundo Tempo, vinculado àquela pasta(3). Nesse caso, um rombo ainda maior: 6,1 milhões de Reais recebidos por convênios com o Ministério, firmados desde 2005 e sem prestação de contas ao Tribunal de Contas dos Municípios, que os está cobrando(4).
No último mês do ano, mais um golpe à credibilidade da Viva Rio. Em face de filmagens em poder da polícia, nas quais aparece negociando um fuzil com o traficante “Nem”, o ex-presidente da Associação de Moradores da Rocinha, William Oliveira, foi preso. William, ou o “Prefeito”, como era conhecido na comunidade, é parceiro de longa da data da Viva Rio, tendo, dentre outros eventos de relevância, sido escolhido por ela para premiar destaques na atuação pelo desarmamento civil, como ocorrido em 2004, ocasião em que representou a ONG na entrega de prêmio a Denis Mizne, da também ONG “Sou da Paz”(5).
Não foi a primeira prisão de William Oliveira. Em 2005, ele foi acusado de associação para o tráfico de drogas e acabou detido. E o que fez a Viva Rio naquela época? É constrangedor, mas saiu em fervorosa defesa o acusado, chegando a externar, através de seu diretor executivo, Rubem César Fernandes, leniência no contato entre o líder comunitário e os traficantes(6).
Reunindo tais fatos, seria natural concluir-se que a aludida ONG não poderia contar com credibilidade para tratar de assuntos intrínsecos do Governo Brasileiro. Não se trata de uma condenação antecipada, mas os indícios de uma conduta irregular e de vínculos espúrios são evidentes, o que, no mínimo, impunha ficasse “sob observação”, afastada das decisões governamentais.
No entanto, o que se vê é o oposto. Mesmo diante de tantas suspeitas, a Viva Rio segue firme parceira de ninguém menos que o Ministério da Justiça, sendo responsável por nutri-lo com estatísticas – sempre muito contestáveis – pelas quais se justificaria a manutenção da campanha de desarmamento, hoje, praticamente a única bandeira do titular da pasta, o Ministro José Eduardo Cardozo.
Essas “estatísticas”, aliás, também revelam um fato bastante curioso derredor da credibilidade da Viva Rio. Seus números simplesmente não batem com nada, e ainda assim são considerados verdades absolutas, tanto pelo Ministério da Justiça, quanto pela grande mídia, em especial aquele veículo comandado por um de seus conselheiros. E isso mesmo quando os números são confrontados por outros também adotados oficialmente.
Para a Viva Rio, por exemplo, as campanhas de desarmamento teriam promovido redução nos índices de homicídio no Brasil, mas os dados do Mapa da Violência 2011 – oficiais para o Ministério da Justiça -, mostram que o patamar de assassinatos no país entre 2003 e 2008 – ano de publicação do Estatuto do Desarmamento e o último pesquisado no estudo, respectivamente – permaneceu exatamente o mesmo, ou seja, superior a 50 mil por ano(7) , isso mesmo com o recolhimento de mais de meio milhão de armas.
Além disso, os dados pontuais, que apontariam redução de tais índices em locais de maior atuação da ONG, como o óbvio exemplo da cidade do Rio de Janeiro, foram contestados pelo próprio IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, com a demonstração de que os homicídios, em verdade, apenas “mudaram de nome” nas estatísticas, passando a se computar como “mortes violentas por causas externas não identificadas”(8). O mesmo crime, mas com outro nome, apenas.
E se não fosse o bastante, a última pesquisa (?) divulgada pela entidade vem causando espécie aos especialistas em segurança pública e à mídia especializada. Justificada sabe-se lá em que, a Viva Rio publicou um estudo no qual avalia, pasme-se, o preço da maconha, num tom quase indignado diante da majoração que sofre entre a produção e o consumidor final(9). A maconha, relembre-se, ainda é uma droga ilegal no país e sua venda, seja lá por qual preço, é crime! (10)
Se esta é, ao menos aparentemente, a real face da Viva Rio, o que justifica sua inabalável credibilidade perante o Ministério da Justiça? Que autoridade tem a dita ONG para se arvorar à condição de parceira de tão relevante pasta governamental brasileira? O que move a sanha desarmamentista nacional, capaz de sobrepujar as já incontestes provas de que não funciona? São inúmeras as perguntas e nenhuma resposta.
Como medida simples, mas de relevância inegável para a sociedade brasileira, o mínimo que se espera do Governo é que, até que surjam as respostas, suspenda as parcerias com a ONG Viva Rio, o repasse de verbas públicas a ela e, principalmente, seu credenciamento para receber armas de fogo entregues na campanha de desarmamento. Afinal, precisamos saber de que lado ela realmente está, para que não tenhamos a nítida sensação de estarmos dormindo com o inimigo. Ou será que nem sabemos quem é o inimigo?
(1)http://c62tr.tk
(2)http://odia.ig.com.br/portal/rio/html/2011/10/informe_do_dia_dinheiro_da_saude_enviado_para_ong_198375.html
(3)http://200.189.161.92/pt/247/brasil/21283/TCU-cobra-R$-61-milh%C3%B5es-da-ONG-Viva-Rio.htm
(4)http://www.hojeemdia.com.br/claudio-humberto-1.12113/ong-viva-rio-1.362412
(5)http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/ex-lider-comunitario-da-rocinha-recebeu-premio-em-2004-por-atuacao-pelo-desarmamento-20111206.html
(6)http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o-dia-em-que-a-viva-rio-de-rubem-cesar-fernandes-protestou-contra-a-prisao-de-william-o-do-fuzil-e-o-que-diziam-os-fatos-relatados-em-veja/
(7)http://www.sangari.com/mapadaviolencia/
(8)http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,rio-manipula-indice-de-homicidios-diz-pesquisa-,789556,0.htm
(9)http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/ah-como-esses-traficantes-sao-gananciosos-que-coisa-feia-gente-e-preciso-criar-urgentemente-a-bolsa-maconha/
(10)Lei nº 11.343/06, art. 33.
Fabricio Rebelo | bacharel em direito, assessor jurídico, pesquisador em segurança pública, diretor da ONG Movimento Viva Brasil.
* MVB
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