LEGALIDADE, PROFISSIONALISMO E CIDADANIA
Nada que não seja de cunho técnico/operacional deve ser exigido dos membros de uma corporação ou instituição policial, sob pena de, na falta de clareza de certos parâmetros profissionais, uma minoria dominante – e, aí, “minoria dominante” é um conceito bastante largo – passar a desviar a corporação de seu foco principal.
Esta minoria geralmente é eficiente em não fomentar, de forma honesta, o debate de valores e idéias, ao tempo em que sanções administrativo-disciplinares e criminais ameaçam significativamente qualquer manifestação reivindicatória dentro dessas organizações, onde se vive uma meia verdade. Ainda ocorre a utilização do expediente da determinação para se criar um cenário fictício, a fim de atender expectativas superiores – e aí, também, “superiores” com dimensões bastante generosas.
Ora, este raciocínio, recorrente nas corporações, nunca teve a devida força em virtude do cada vez mais fraco: “Missão paga, missão cumprida”, porém, este dito nunca foi de fato abolido por causa do natimorto “Missão legal, missão cumprida!”, aliás, sonho com o dia em que, não somente o jargão, que por si só já é grande coisa, mas também a alma das corporações seja esta. Mesmo sabendo que a legalidade por si só não resolve todos os nossos problemas, com certeza, ela nos conduz a uma série de reflexões, comparações e situações que não nos permite nem determinar o ilegal nem exigir o ridículo.
Precisamos identificar aquilo que é flagrantemente técnico e exigir. E cobrar de nós mesmos. Nem avoco aqui o afamado “Amor Corporativo”, fruto, na minha visão, de muitas distorções, disfunções e desserviços prestados. Um factóide criado pelos mais eloqüentes oradores, e hoje de efeito altamente duvidoso. Avoco a responsabilidade que um servidor público tem para com seus pares e a sociedade.
Quando digo isto é porque penso que, da mesma maneira que existem coisas que devem ser exigidas em virtude da função, da profissão e do papel social que desempenhamos, existem também, com certeza, temas igualmente importantes, que não transitam pelo cunho explicitamente técnico-operacional, apesar de fundamentais e que agregam valores pessoais, culturais e humanos, mas que não devem, de maneira alguma, ser exigidos, justamente porque passam pelo campo do entendimento, da negociação intelectual, da remodelagem e relativização de princípios há muito conservados e pouco postos à prova.
Precisamos de pessoas capazes de fomentar, através do argumento e do comportamento, a mudança. Transformar homens, talvez, seja a coisa mais difícil do mundo. Mudar uma cultura leva tempo. Não devemos nos contentar em estarmos em forma, mas ocos, ou, o que é pior, em forma, mas enfurecidos e contrariados, não convencidos daquela necessidade. E quando digo isto, por incrível que pareça, estou, sim, à espera de um Messias, desacreditado de nossa própria capacidade de transformação. Infelizmente.
Nós falamos tanto em cidadania…
É precisar saber fazer um convite à reflexão. À mudança de comportamento. É preciso perceber que se algo não faz parte do orgânico profissional da corporação, a exigência ecoa no vazio cultural da instituição. Carece do mínimo de respaldo.
Não podemos continuar a encher os auditórios somente para satisfazer interesses de terceiros. Ou as lideranças criam condições para os interessados de fato trabalharem em prol da real agregação de valores para nossa vida enquanto servidores públicos policiais, ou elas mesmas proporcionam um ambiente favorável à discussão interna, com todas as réplicas e tréplicas possíveis, e, a partir daí, paulatinamente, veremos mudança, estando ciente que em ambos os casos os esforços serão hercúleos e de longo prazo. Muito provavelmente por isso ninguém comece tal transformação, com certeza não vão colher os frutos destas iniciativas. E de que vale grandes esforços sem recompensas pecuniárias ou reconhecimento sob forma de status sócio-corporativo? Muito mais fácil a forma, a nota de jornal, a determinação não sujeita a contestação, o discurso, a fotografia.
Autor - Marcelo Lopes
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