O flerte do senador com a tirania
Vez
por outra, a História nos revela personagens que nitidamente demonstram
não se contentarem com sua condição de humanos, se arvorando a posturas
dignas de deuses, como se detentores da verdade universal fossem. O
postulante à divindade da vez é o senador Cristovam Buarque (PDT/DF),
autor do Projeto de Lei do Senado de número 176/2011, que simplesmente
ignora uma das mais expressivas votações que já se obteve no Brasil,
para impor sua convicção ideológica pessoal.
Pelo
projeto do senador, a venda de armas e munições será proibida no
Brasil, simples assim. Sua justificativa – de uma pobreza técnica
infantil – é a de que o comércio de armas estaria contribuindo para o
aumento da violência e que o referendo sobre o assunto, realizado em
2005, não teria apresentado o resultado “correto”. Isto mesmo, o senhor
senador aponta que 60 milhões de brasileiros, ou 64% do eleitorado do
país, simplesmente não souberam votar e o que vale é sua vontade e
sapiência pessoais. Afinal, trata-se de uma divindade, ora!
Seria
apenas patético, coisa típica das senilidades deturpadoras do
pensamento racional, se não fosse um verdadeiro estupro à democracia.
Nenhum detentor de mandato pode assumir feições tirânicas, para
simplesmente sobrepujar a vontade extraída das urnas. Até porque, se
assim o for, que segurança terá a nação sobre o respeito às suas opções
eletivas? Quem vai julgar quais votações foram corretas e quais foram
“erradas”? O senador responderia que ele próprio, por certo.
A
proposta não é apenas tirânica, ao ignorar o fundamento basilar da
democracia, consistente no voto, é também tecnicamente absurda. Hoje,
absolutamente todos os estudos técnicos mostram que o comércio legal de
armas não tem nenhum impacto no aumento da criminalidade, a ponto de a
ideia ter sido abandonada pela própria ONU, no “Estudo Global de
Homicídios” (Global Study on Homicide), o maior e mais completo já
realizado sobre a criminalidade fatal no mundo. Ao contrário, a julgar
pelo que mostram todos os números, reduzir o comércio legal de armas,
retirando a possibilidade de o cidadão a elas ter acesso, aumenta muito a
criminalidade e os homicídios.
Basta
que se olhem os números do Brasil (este país sobre o qual o senador
parece gravitar). Desde que as primeiras leis restritivas à posse a ao
porte de armas foram aqui implantadas, o comércio de armas e munições
foi reduzido em mais de 90%, restando, em 2010, 280 das 2400 lojas
especializadas registradas pela Polícia Federal no ano 2000. No entanto,
os homicídios seguiram o caminho inverso. Em 2000, o Brasil, segundo os
números do Mapa da Violência, registrou já assombrosos 45.360
homicídios; em 2010, foram 49.932, um aumento de mais de 10%. Onde está a
relação entre comércio de armas e homicídios?
Não
há qualquer dúvida de que o projeto não tem o mais remoto apego à
técnica, muito menos está comprometido com a proteção à vida do cidadão.
Trata-se de uma repugnante manifestação de totalitarismo, uma vil
tentativa de um congressista sobrepujar o desejo do povo para a ele
impor, sabe-se lá com quais intenções, sua ideologia.
A
proposta segue com uma reprovação superior a 90% nos sites de pesquisa
especializados e tem gerado um número recorde de manifestações de
repúdio em todos os canais em que aparece, especialmente nas redes
sociais. Mas isso não deve abalar o propósito do senador, já que, para
ele, o povo não sabe votar.
Diz
a Constituição Federal, já em seu art. 1º, que “todo poder emana do
povo”. A julgar pelo comportamento do senador Cristovam, esse é um
grande erro no ordenamento jurídico brasileiro, pois o poder deve emanar
dos deuses, na Terra por ele representados.
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Por Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública, diretor da ONG Movimento Viva Brasil e colaborador do blog @DefesaArmada.
* Texto de livre reprodução, desde que na íntegra e preservando-se a indicação autoral
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