sábado, 18 de fevereiro de 2012

CIDADÃO MARGINAL

CIDADÃO MARGINAL

* Por Augusto Leite Júnior (foto)


Quem é esse “marginal” chamado Augusto Júnior que teve mandado de prisão expedido pela Justiça Baiana, que é caçado pelas Tropas de Elite da Polícia Federal, Polícia Civil e Militar, que o Governo Federal disponibiliza vaga em presídio de segurança máxima para deixá-lo recluso? Que a Rede Globo (Rede Bahia) execra e apresenta como um marginal de alta periculosidade, tentando jogar a opinião pública contra esse cidadão marginalizado pelo Estado da Bahia. Augusto Júnior, quem é esse terrorista?
 
A pessoa supracitada é apenas um cidadão como outro qualquer: um homem de 30 anos de idade, nascido e criado na periferia de Ilhéus, no Bairro da Conquista, Cristão Católico praticante da Paróquia Santa Rita de Cássia, catequista, vice-coordenador do Encontro Eucarístico Com Crianças - ENEUC, ex-coordenador de Grupo Jovem, do Grupo de Renovação Carismática, filho de um “trapicheiro”, arrumador, (pessoa que carrega 60 kg de cacau na cabeça), e de uma lavadeira da rouparia do Hospital São José. Casado há quase dez anos, pai de uma menina de nove anos de idade e de um menino de quatro meses. Pedagogo, Especialista em Educação e Relações Étnico-raciais, discente do sexto semestre do Curso de Direito, todos na Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC. Supervisor Escolar da Rede Municipal de Ensino em Ilhéus, Policial Militar ainda, lotado na briosa, porém extinta RONDESP Sul.

Qual crime esse cidadão marginal cometeu ? Todos os crimes que as pessoas de bem desse país deveriam cometer, os quais seus pais, pessoas pobres, mas honestas, lhes ensinaram desde pequeno, os crimes que também foram aprendidos na igreja, nas homilias dos vários padres que já ouviu. Os crimes que aprendeu ao longo dos dez anos em que está na UESC, especialmente os aprendidos agora no curso de Direito, com vários de seus professores e colegas, os crimes que vários amigos que não se calam diante das injustiças têm lhe ensinado ao longo desses trinta anos de vida. Sabem qual o principal crime? Lutar incessante e incondicionalmente por seus diretos, pela defesa dos interesses daqueles que historicamente foram marginalizados pela sociedade, por conta de uma ditadura que assolou esse país e que me parece não ter deixado de existir, só mudaram ao atores.

Nós Policiais Militares fomos usados pelos militares do Exército durante a Ditadura e somos usados contemporaneamente pelo sistema que alguns consideram democrático, fomos e somos até hoje marionetes nas mãos dos que estão no poder, começamos a despertar e refletir sobre essa situação. Quando a PM paralisa suas atividades, todos percebem a sua imprescindibilidade, assim como são imprescindíveis os médicos os professores e todos os demais servidores que fazem esse Estado funcionar. Não se pode admitir, dada a importância desse profissional e os riscos de vida que ele corre para cumprir com a sua missão que ele não seja reconhecido pecuniariamente por isso.

Que fique bem claro, reitero de forma peremptória, o crime que esse cidadão marginal chamado Augusto Júnior cometeu, não foi o de lutar por aumento salarial e sim lutar para que a lei fosse cumprida pelo Estado da Bahia, personificado na pessoa do Senhor Governador Jaques Wagner. Os policiais que lutaram ao meu lado e muitos estão presos agora, o que inevitavelmente me remete à ditadura, lutaram para que a lei 7.145/97 (Lei da GAP) fosse cumprida, para que o acordo firmado com o Governador no ano de 2009 fosse mantido. Esse é o “crime de terror” pelo qual sou procurado, esse é crime pelo qual Prisco e mais seis amigos pessoais de Ilhéus estão presos, bem como tantos outros guerreiros pela Bahia a fora.

Muitos que lêem essa carta que não me conheciam, agora me conhecem e podem emitir um juízo de valor sobre a minha pessoa sem se deixar influenciar pelos meios de comunicação de massa, especialmente os televisivos que prestam um desserviço social quando mostram inverdades tentando induzir as pessoas ao erro. Estou pronto para ser julgado, não pela justiça convencional ou tradicional na qual eu acreditava e quero voltar a acreditar e que sempre trabalhei para garantir. Coloco-me para ser julgado pela justiça do povo que certamente se identifica com a minha história, pois ao ler a Constituição Federal vê que nada ou muito pouco do que está escrito, se traduz em realidade. Como é possível conceber um país com a sexta maior economia do mundo em que crianças ainda morrem de inanição, pessoas morrem à míngua nas filas de hospitais, muitos são empurrados para a marginalidade por falta de emprego, educação, entretenimento, culturas diversas e lazer.

Esse cidadão marginal chamado Augusto Júnior foi tratado como um bandido de alta periculosidade, porque ele conduziu as pessoas de Ilhéus, do Estado e porque não ousar dizer do Brasil a discutir Segurança Pública com seriedade, pois lidamos com o principal dos diretos dos cidadãos, a vida humana e com a garantia de tantos outros direitos. Como seria possível garantir direitos se nem os nossos são garantidos, não seria isso um paradoxo? Esse cidadão marginal levou as pessoas a refletirem sobre o seu papel de protagonista na construção da história desse país que não é de uns poucos como eles querem fazer parecer.

Esse cidadão marginal tornou-se perigoso porque conseguiu fazer com que os praças, que muitos consideram uma subclasse ou uma categoria de analfabetos e alienados, se percebessem como cidadãos. Ora, se foi possível fazer isso com militares, quem têm auto-estima baixa, certamente seria possível fazer com civis que há mais de 510 anos tem dos seus direitos negados, para garantir a riqueza de poucos que historicamente legislaram, administraram e julgaram em causa própria. Uma pessoa que conduz outras à reflexão torna-se perigosa para os que ocupam os espaços de poder.
Agora sim, que já garanti o meu direito a ampla defesa e o contraditório estou pronto para ser julgado pela sociedade que jurei defender mesmo com o risco da própria vida e sei que nesse momento esse risco é real, mais do que nunca. Em nome da ASPRA, de todos os praças da Polícia Militar da Bahia e especialmente em meu nome, esse cidadão marginal que lhes fala, quero pedir desculpa por todos os transtornos causados pela paralisação dos praças da PM - BA, mas quero dizer que esse foi o último meio que nos deixaram para que o nosso grito de dor fosse ouvido. O grito da dor pela perda de muitos praças que são mortos todos os dias na Bahia, e ninguém faz nada, o grito de dor das mães e famílias que os enterra e o Estado as deixam órfãs. Sei que esse também foi o grito de dor dos que não tem o que comer, não tem o que vestir, não tem onde morar, não tem educação ou saúde de qualidade, não tem um salário digno para se manter. Tudo isso foi um mal necessário, assim como às vezes a própria polícia é um mal necessário! Mais uma vez obrigado e aguardo o veredicto da Sociedade Ilheense, Grapiúna e Reginal.

Na oportunidade quero agradecer a todas as manifestações de apoio ao nosso movimento, a cada pessoa que mandou alimentos, que foi ao batalhão declarar apoio, ao juiz, a promotora e procuradora que se sensibilizaram com a minha situação (não estou autorizado a dizer nomes) aos amigos da UESC que fizeram uma carta aberta, aos meios de comunicação sérios em especial aos blogs, a Ciro Zatele, ao Dino, Wagner e o exército da Força Sindical, ao SIDCACAU, SINDPOC, APPI/APLB, APPM, ARBS, Portuários, Advogados, em especial o Dr. Valdimiro Eutímio da ASPRA, a todas as pessoas jurídicas ou físicas que nos ajudaram e que agradeceremos publicamente numa carta aberta da ASPRA assim que as coisas se acalmarem. Um obrigado especial a cada pessoa que se preocupou comigo, que chorou e sorriu ao meu lado, que rezou por mim, mandou sms, mensagem no face book, que me disseram uma palavra de encorajamento, que não me disseram nada mas me deram um abraço apertado ou um olhar carinhoso. Um obrigado mais especial ainda aos sócios da ASPRA de Ilhéus e Região que acreditaram em mim, a cada soldado, cabo, sargento, subtenente, a cada familiar ou amigo de policial que cuidou de mim durante o movimento como se estivessem cuidando de um filho. Fique aqui registrado o meu muito brigado a todos (as).

Augusto Leite de Araújo Júnior – Cidadão Marginal

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